Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sobre contar e ouvir histórias


Quando pequena, ouvia histórias de família, contadas por meus pais ou avós. Era a história da minha bisavó de descendência portuguesa, chamada de Sinhazinha, que cresceu na casa de seu tio, o barão Homem de Mello, pois seus pais morreram num trágico acidente quando a carruagem em que viajavam foi pega por um trem. 

Ou era a história de meu bisavô espanhol, que veio para São Roque, adquiriu terras e depois de trabalhar de sol a sol, tornou-se um dos maiores agricultores da região. Eram histórias verdadeiras, contadas por seus descendentes, mas que guardavam uma aura de aventura, onde a tragédia era mais trágica e onde a vitória tinha mais brilho. Assim me parecia quando criança...

Mas, uma história que me impressionava muito era a da viagem de minha bisavó italiana para o Brasil, num navio, ao final do século 19. Era uma família numerosa; ela tinha apenas cinco anos quando desembarcaram no Porto de Santos e nenhum deles jamais havia se deparado com uma pessoa negra.
Porém, o que mais me tocava nessa história, era a morte de sua irmã, em plena travessia do Atlântico, vitimada pela escarlatina, uma doença infecciosa, praticamente incurável naquela época.

Isso me deixava perplexa. Era só uma mocinha, menina italiana de quinze anos que devIa sonhar, cantar e correr pelo navio, pois sabe-se que durante as viagens dos imigrantes italianos, as condições eram difíceis, mas as crianças sempre se divertiam. E seu corpo foi simplesmente lançado ao mar...

Música na vida dos italianos da família Salvestrim

Hoje, esse fato me leva a refletir sobre os sentimentos dos imigrantes italianos. A saudade – palavra brasileira – das pessoas deixadas, das casas abandonadas, das vilas jamais avistadas novamente, da vida que ficou para trás.

Sobre esses sentimentos não aprendemos na escola, nas aulas de História, onde somente datas, documentos escritos, fatos e pessoas de destaque tinham importância. E onde os relatos, a história contada por pessoas comuns, nunca foi considerada.

Para o filósofo Walter Benjamim, qualquer um de nós é uma personagem histórica.

Esse é nosso objetivo com o projeto Memória da Imigração Italiana em São Roque, que resultará na publicação do livro Andiamo... Ele se baseia na História Oral, ou seja, nas narrativas das pessoas que vivenciaram os fatos, suas lembranças, suas impressões, seus sentimentos. São esses relatos que legitimam a pesquisa que buscamos nas fontes escritas e nos documentos.

Para o historiador francês Pierre Nora, memória é o vivido e história é o elaborado. Dessa forma, as histórias do passado podem ser reconstruídas através do resgate da memória.

Assim, fizemos o convite à toda a colônia italiana de São Roque para participar desse projeto, contando suas histórias, revelando suas memórias.

E termino fazendo um pouco meu, o pensamento de Boris Pasternak:
“O que é escrito, ordenado, factual nunca é suficiente para abarcar toda a verdade: a vida sempre transborda de qualquer cálice.”



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terça-feira, 5 de julho de 2011

O destino na cidade do Carambeí


Família Pocciotti
 Era 1892.
Uma fina esperança permeava o ar respirado por italianos no Piemonte, ao norte da Itália, onde a pobreza grassava. Essa brisa de nova vida se chamava Brasil. Numa pequena cidade no estado de São Paulo, esculpida num vale originalmente chamado Carambeí, o porvir se materializava em forma de trabalho e progresso, com a instalação da tecelagem  Enrico Dell’Acqua e Cia.

No trilhar dessa esperança, dias antes que a primavera se anunciasse, desembarca no Porto de Santos, a família Pocciotti, após intensas semanas cruzando oceano, em viagem no vapor Rosário.

Era excitante e assustador singrar águas a bordo do Rosario, que pesava 1.957 toneladas e media 85,95 m por 10,73 m. Construído por Wigham Richardson & Co em Walker-on -Tyne, em 1887 foi lançado ao mar por Fratelli Lavarello, na rota Gênova-América do Sul. Em 1891, passou a pertencer à empresa La Veloce e continuou na mesma rota. Em 1898 foi vendido à empresa francesa Cie Mixte e teve seu nome trocado para Djurjura. Em 1915 afundou após uma colisão com o navio Empress of Britain, levando ao fundo do mar a energia dos sonhos que moviam os viajantes de cais em cais.

Giuseppe di Carlo Pocciotti chegou ao Brasil trazendo consigo a mulher Giovanna Andreo e os filhos Margherita, Lorenzo, Carolina e Biagio, com idades entre nove anos e seis meses.

A família permanece no Brasil por breve período. Com dificuldades de adaptação ao clima e às condições de vida na nova terra, os Pocciotti retornam à sua pequena cidade italiana, a comuna San Germano Vercellese, na província de Vercelli, região do Piemonte, que hoje tem menos de dois mil habitantes e seus limites não ultrapassam os 30 km quadrados.

Em busca de maiores oportunidades de trabalho, a família muda-se para Asti, comuna hoje com setenta mil habitantes, na região do Piemonte, de onde partem definitivamente para o Brasil, em agosto de 1908. No Brasil, nasceram outros dois filhos do casal Giovanna e Giuseppe Pocciotti, os meninos Francesco e Carlo.

BRAZ POCCIOTTI

Biagio veio ao mundo no dia de São Brás, daí seu nome, que passaria a ser Braz no Brasil. Casou-se com Carolina Zavarise, moça de família italiana proveniente da romântica Verona. O casal teve três filhos: João, Sarah e Maria Joanna.

Desde adolescente, Biagio trabalhou na tecelagem que depois passou a chamar-se Brasital, até o dia de se aposentar. Entre as paredes da fábrica de tecidos viveu a maioria de seus momentos e encontrou amigos. Sem ser técnico, exerceu a função de desenhista chefe, devido aos seus dons na arte de desenhar.

As famílias Pocciotti e Zavarise construíram sua moradia, uma grande casa, na rua São Paulo, entrada do Engenho, onde plantavam uva e culturas de época, além de cultivar fruticultura permanente de pêra e uva. Como não poderia deixar de ser, tratando-se de famílias italianas, produziam vinho para consumo próprio e o ofereciam aos amigos, em encontros de confraternização e música da terra natal.

Eram freqüentes, alegres e regadas a vinho, as reuniões de família na “chácara do nonno”, com mais ênfase e animação nos períodos de colheita da uva e produção caseira do vinho.

A família Pocciotti praticamente toda fixou residência em São Roque, atraída por esse vale acolhedor e o conforto do contato com outros imigrantes italianos. Carolina, irmã de Braz, foi a única a viver fora de São Roque, mas casou-se com Miguel Zavarise, irmão de sua cunhada Carolina, a esposa de Biagio.


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Um baú, uma sanfona, uma história italiana


Quem chega ao Jardim Renê, bairro de origem predominantemente italiana, mais precisamente à casa de número 102 da rua Francisco Tagliassachi não vê, à primeira vista, nada excepcional. Seria uma casa como outra qualquer, não guardasse ela um baú, uma sanfona e uma moradora italiana.
Seria apenas a moradia de uma senhora italiana, com um baú e uma sanfona, não fossem estes, personagens de uma história de imigrantes italianos. Seria apenas mais uma história sobre imigração italiana não fosse ela uma história feliz. Na verdade, a história de como ser feliz com um baú e uma sanfona. Uma história em sete cenas, narrada por uma menina de 13 anos.

CENA 1 – A PARTIDA

Estávamos em 1952. Vivíamos em Ascoli Piceno, província conhecida como Cidade das Torres na região do Marche, na Itália, com suas 300 torres que, originalmente, quanto mais altas, maior a riqueza de seus proprietários. 

Éramos uma família de nove pessoas. Meu pai, Pietro, um agricultor, trabalhava como meeiro e se casara pela segunda vez, com Gioconda. Éramos sete filhos de seu primeiro casamento, seis mulheres e apenas um homem, Constantino. Quase todos trabalhavam na lavoura. Rita, a irmã mais nova, ia comigo à escola. 

Eu cursava a sétima série e ouvia histórias de como o Brasil precisava da ajuda dos italianos para crescer. Mas meu irmão queria ir para a Austrália, num programa para jovens solteiros. Papai nunca permitiria a separação da família e decidiu que viríamos para o Brasil. Conosco partiriam tio Tomasso, sua mulher e três filhos, como uma só família para reduzir a taxa paga ao governo. Viajamos com dinheiro, pois tudo o que possuíamos foi vendido. Bem...quase tudo.

CENA 2 – O BAÚ

Quando meu pai afirmou que partiríamos, não houve tristeza. Estaríamos juntos e empolgava-me a idéia de colaborar com o progresso do Brasil. Pudemos trazer muitas coisas conosco, algumas que nos faziam sentir confortáveis e em casa, como nossos colchões, travesseiros e a máquina de costura; outras que nos faziam sentir que ainda éramos os mesmos, como nossas roupas e o pequeno rádio; e umas, ainda, que nos eram caras e sem as quais ficaríamos sem raízes, como nossos documentos e fotos.

Quando tudo estava arrumado, nos entreolhamos ao avistar o baú de madeira que fora de mamãe e decidimos: ele iria conosco. Guardamos no baú coisas das quais não queríamos nos separar. Ele tornou-se, assim, o depositário de nossas esperanças.

CENA 3 – AUGUSTUS, O NAVIO

Para transportar a bagagem, papai teve de alugar um container no navio Augustus, que nos levaria ao Brasil. Conosco, viajavam 31 famílias. Levaríamos 13 dias para chegar ao destino, o Porto de Santos. Foram dias de sonho para mim. Viajamos na terceira classe, mas Augustus era um navio novinho, em sua segunda viagem pelo mar.

Augustus, o navio

Assim, como passageiros da terceira classe, desfrutamos de refeições deliciosas e à vontade. Havia cinema, teatro e salão de baile. As cabines destinavam-se a duas pessoas, com todo o conforto. No início da viagem, circulamos pela primeira classe que era apenas mais luxuosa e espaçosa.

CENA 4– A CHEGADA

Quando desembarcamos no Porto de Santos, não houve recepção. Não tínhamos parentes nem amigos no Brasil. Mas não ficamos tristes, pois nossa família continuava completa e éramos unidos. Fomos conduzidos para São Paulo numa cansativa viagem de Maria Fumaça.

Levamos um dia para chegar à capital, onde nos conduziram à Hospedaria de Imigrantes, que também era desconfortável. Mas ficamos apenas dois dias. Então, um fazendeiro de nome Morganti mandou nos buscar junto com mais sete famílias. Nosso destino era uma fazenda em Piracicaba, interior de São Paulo, onde trabalharíamos na lavoura de cana-de-açúcar. Isso fora decidido antes que saíssemos da Itália.

CENA 5 – A SANFONA

A viagem de São Paulo à Piracicaba foi agradável e divertida. Quando chegamos em Jundiaí, um grupo de alegres estudantes entrou no trem e logo fizemos amizade. 

Embora não pudéssemos entender a nova língua, nos comunicávamos por gestos, o que fazíamos bem. Os jovens pediam que cantássemos e meu pai, que sempre gostara da boa música, não se fazia de rogado e tirava animados sons de sua sanfona. Cantamos juntos até o final da viagem, na qual a música italiana nos aproximou de novas amizades.

Quando o trem fez parada em Campinas, outra surpresa nos esperava. Aguardando-nos na estação estava uma senhora italiana que entregou uma cesta com alimentos para cada uma das famílias do trem, alimentos esses que nos serviriam por uma semana.

CENA 6 – A FAZENDA BELA VISTA

Chegando a Piracicaba, fomos para a Fazenda Bela Vista que me pareceu grande e bonita. Logo avistamos uma rua com casas dos dois lados, que abrigariam sete novas famílias.

A 500 metros, estava uma casa de tijolos, maior, com seis cômodos e dei-me conta de que ali seria meu novo lar. Tinha tudo o que uma boa casa de colonos poderia oferecer, embora tivéssemos de pegar água no poço e a iluminação fosse com lampião a querosene. Recebemos móveis e utensílios do proprietário da fazenda.

Sem desfazer a bagagem, começamos a montar animadamente as camas nas quais descansaríamos de fato, pela primeira vez, após a chegada ao Brasil. Nosso ânimo certamente chamou a atenção de colonos brasileiros que residiam ali e acabavam de sair do trabalho. Eles aproximaram-se e prontamente começaram a nos ajudar. 

Novamente a comunicação foi feita por gestos, pois ainda não falávamos uma palavra em Português. Assim, fizemos mais amigos, que não tardariam a cantar conosco ao som da sanfona de papai. Nossa casa seria um ponto de encontro, após a jornada de trabalho.

CENA 7 – UM PEDAÇO DA ITÁLIA

Ficamos por seis meses nessa Fazenda e, então, mudamo-nos para Vinhedo, onde trabalharíamos durante anos, numa tecelagem e onde aprenderíamos, de fato, o Português. Eu não voltara à escola. A menina de 13 anos cresceu.

Em 1962, aposentado, papai resolveu juntar-se à sua irmã que vivia em São Roque, num bairro onde havia muitos italianos, o Jardim Renê. Papai comprou uma casa e para lá fomos nós. Novamente a família estava reunida e era o que ele queria. 

Gostamos e nos identificamos com a nova cidade, plantada num vale, rodeada de montanhas, o que nos lembrava nossa Ascoli Piceno. Em São Roque, papai passou a produzir vinho para a família, como fazíamos na Itália. O ambiente era familiar. Todas as manhãs, ele sentava-se na varanda e o que mais se ouvia era Buongiorno!.

EPÍLOGO: A PROFESSORA

A alegre narradora dessa história é Beatrice Sciamanna, a simpática Bice, uma senhora muito conhecida e querida na comunidade italiana de São Roque, principalmente, por sua prestativa participação na Associação Ítalo-Brasileira. Mas também por carregar com ela o dom de ensinar... a língua italiana.

E essa foi uma atividade que jamais pensou em desenvolver. Tudo aconteceu num encadeamento de fatos que a levaram a tornar-se responsável pela iniciação de brasileiros na língua da Toscana. 

No início, por vários anos, assessorou professoras que passaram pela associação, onde a língua italiana era ensinada; acabou tendo de substituir uma delas e, assim, tornou-se a titular. Aperfeiçoou-se, fez diversos cursos no consulado italiano e pode, inclusive, voltar à Itália. Hoje, quem a vê ensinando a língua de seu país de origem não duvida de que ela nasceu para isso...


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segunda-feira, 27 de junho de 2011

UM CONVITE PARA NOVAS TERRAS


Frederico Amosso, na tecelagem Enrico Dell''Acqua e Cia

Ele desembarcou no Brasil, estima-se, em 1892, a convite de Enrico Dell’Acqua, o capitalista e industrial da tecelagem, conhecedor de suas habilidades no ramo têxtil. O destino era a cidade de São Roque e ele viria como diretor técnico da fábrica de tecidos Enrico Dell’Acqua e Cia., recém inaugurada. O contrato lhe garantia o pagamento mensal de 320 libras esterlinas, uma fortuna para a época, além de outras vantagens, como a viagem de volta caso não se acostumasse ao trabalho e à vida no país tropical.

Com Frederico Amosso, chegaram ao Brasil outros italianos que ocupariam cargos de direção na tecelagem, como Vittorio Della Torre, diretor comercial, Rodolfo Crespi, chefe de escritório - que depois se tornou um famoso industrial no Brasil  -  além de De Toffoli, o médico da empresa, e cerca de duzentos italianos que emigraram como operários, contratados para o trabalho nos teares e nas novas máquinas da promissora indústria de tecidos. Entre eles os Bonini, Boschini, irmãos Ceppo, Collo, Tagliassachi, Tameni, Trompeu, Vagnotti e muitas outras famílias.

Vestido em seus ternos de casimira inglesa que combinavam com as belas e vistosas gravatas e chapéus de fina fabricação, apesar de ter se formado engenheiro em Turim, laureado com brilho ao final do curso, Frederico Amosso dispensava o título de doutor no tratamento que recebia em seu ambiente de trabalho.  

Corpo de atleta, 1,86 m de altura, no rosto destacava-se o bigode discreto e esmerado. Sua aparência, aliada ao andar firme, fazia do jovem uma atração para as moças casadoiras, e a disputa se acirrou quando correu entre elas a notícia de que ele tinha pressa em se casar. Para desilusão de muitas jovens, a escolhida foi a italianinha Adelina Landoni, operária da tecelagem sob seu comando, que fazia parte de uma das famílias de italianos recém-chegadas a São Roque com a abertura da fábrica de tecidos. Além da beleza, o que na moça mais chamou a atenção no diretor técnico da indústria foi a alegria.

Adelina exibia sempre um sorriso nos lábios, o que a tornava encantadora. Vivia cantando, embora isso não fosse novidade entre os italianos, mas sua voz feminina era discreta e despertava a atenção de quem a ouvia. Na tecelagem, Adelina desempenhava a função de urdidora. Esperta e dedicada ao trabalho, parecia incansável e sorria mesmo nos momentos mais difíceis.
Adelina Landoni era a caçula entre três irmãs. Marieta, a do meio, já viúva, encontrara um segundo marido, Antonio Collo, contramestre na fábrica de tecidos; e a mais velha Giovannina, se casara com Francesco Giusti, um faz-tudo da tecelagem.

Embora a origem de suas famílias fosse de níveis sócio-econômicos e culturais diferentes, Frederico e Adelina já namoravam há cerca de seis meses. A saudade da terra natal, das pessoas queridas deixadas do outro lado do mar, e o trabalho na indústria, aproximava ainda mais o casal. Além disso, apesar do comportamento severo que mantinha na direção da empresa, Frederico procurava não cometer injustiças o que o tornava bem visto e estimado entre os operários.

Frederico Amosso nasceu em Biella – considerada na época a Manchester da Itália, de onde saíam técnicos das mais diversas modalidades – em 6 de agosto de 1867, numa ilustre e rica família italiana. A mãe tinha o sobrenome Avandero, filha dos proprietários de uma das maiores transportadoras da Itália. Além de alta e bonita, era uma mulher que demonstrava fineza no trato com as pessoas, falava diversos idiomas, além de ser prendada nos afazeres da casa, o que para as mulheres da época era uma qualidade imprescindível. O pai, Luigi Amosso, era um industrial, proprietário de uma tecelagem às margens do rio Cervo, em Chiavazza. Entre os irmãos de Frederico havia médico, contador, técnico e militar. Ele só tinha uma irmã.

Depois de terminar o curso técnico em Biella e formar-se engenheiro em Turim, Frederico transferiu-se para a França e trabalhou em Lion por dois anos, onde teve oportunidade de por em prática o que aprendera em seu curso de engenharia, além de aperfeiçoar seus conhecimentos da língua francesa. De volta à Itália, assumiu a direção técnica da empresa Ackerman & Cia., em Crusinallo, onde permaneceu até maio de 1891, quando recebeu o convite para a direção técnica da Enrico Dell’Acqua e Cia., no Brasil.

Enquanto o filho crescia em sua profissão, o pai, Luigi Amosso, sofrera um grande golpe ao perder sua tecelagem, cujas instalações às margens do rio Cervo haviam sido inundadas por uma tromba d’água. A família não ficou totalmente arruinada com a perda da tecelagem porque era proprietária de um prédio de cinco andares e duas alas, na Via Umberto, nº 86, no centro de Biella, que foi hipotecado para o pagamento das dívidas da empresa, já que o governo e os bancos não prestavam qualquer auxílio às vítimas das catástrofes naturais nessa época, na Itália.

Após os seis meses de namoro com Adelina Landoni, Frederido resolveu marcar a data do casamento. Depois do enlace, a moça deixou a tecelagem para se dedicar aos cuidados com a nova casa. O que os jovens queriam naquele momento era ter seu próprio lar, pois ele já se cansara de morar em pensões e fazer suas refeições em restaurantes da cidade.

Adelia Landoni e Frederico Amosso com seus oito filhos
 
Da união entre Frederico Amosso e Adelina Landoni nasceram oito filhos, sete dois quais, naturais de São Roque. O primogênito veio logo, em 1894, Pierino. Ricardo e Carolina morreram ainda bebês. Depois veio Remo, cujo nome homenageava o tio médico na Itália; em seguida, Carolina, que levava o nome da avó Avandero; depois nasceu Edmundo, cujos cabelos vermelhos lembravam os do avô Luigi, que sucumbira aos dissabores da devastação de sua fábrica de tecidos na Itália; Giuliettina, a última dos filhos nascidos em São Roque, veio ao mundo em 1910.

Na tecelagem Enrico Dell’Acqua e Cia., como os demais italianos que haviam deixado a Itália com a promessa de um trabalho promissor, Frederico Amosso enfrentou as instabilidades sofridas pela fábrica e o conseqüente arrocho causado pela concorrência com a entrada das firmas inglesas no país. Os ingleses investiam pesado na exportação de produtos finos, apresentados em ricas embalagens; quando a esquadra naval inglesa zarpava, o mundo tremia. A direção da tecelagem dispensou diversos funcionários, entre eles, Amosso. Longe de seu país, com família formada no Brasil, desempregados, os italianos tiveram que procurar novos rumos para suas vidas, abrindo pequenos negócios ou trabalhando na E.F. Sorocabana.

A tragédia também se abatera sobre a família de Adelina Landoni. Com a demissão da tecelagem, Marieta e Antonio Collo compraram um sítio em Maylasky e a família passou a dedicar-se à agricultura e depois, à produção de vinho. Giovannina foi brutalmente pisoteada pela amante do marido e não resistindo aos ferimentos, veio a falecer.

Frederico Amosso, que possuía reservas financeiras, passou a dedicar-se à importação de vinhos italianos de Gattinara, mas o negócio não era suficiente para a sobrevivência na crise. Foi nessa época que, associando-se a Alessandro Bonini, que era eletricista, Amosso decide dedicar-se, não sem dificuldades, à iluminação elétrica da cidade de São Roque, passagem que narraremos no próximo capítulo. Após fundar a empresa Amosso e Cia, foi Frederico Amosso que montou o primeito cinema na cidade, com um gramofone colocado na entrada da sala antes do espetáculo e quem desejasse assistir o filme sentado, deveria levar cadeira de casa. Amosso também abriu a primeira fábrica de meias na cidade também.

Mas, abalado pela crise e pressionado pelas inúmeras dificuldades, foi encontrado caído no mato, próximo à sua residência. Depois desse dia, sua saúde nunca foi a mesma.

Transferiu-se com a família para São Paulo em 1911, onde quatro anos depois nasceu sua filha caçula, Giovannina, batizada com o nome da tia que não conheceu. Amosso associou-se ao contador Secondo Biola, e fundando a Biola, Amosso Cia, primeira fábrica de entretalas da América do Sul, e outros produtos, com expansão dos negócios na Itália, por meio de seu irmão.
Por sua competência no ramo industrial, Frederico Amosso era sempre solicitado a opinar como consultor, a convite de David Pichetti, que prestara serviço na tecelagem Enrico Dell'Acqua e então, trabalhava nas indústrias Matarazzo.

Mas os tempos não eram bons para negócios e com a crise que levaria à Primeira Guerra Mundial, os problemas na produção das indústrias se intensificavam no mundo todo. Apesar dos tempos, a família acumulou uma pequena fortuna.

Amosso dividia-se entre o gosto por sua segunda pátria e o amor pela Itália. Jamais negou ajuda aos italianos que chegavam ao Brasil e passaram por seu caminho. Tampouco deixou de elogiar as belezas e oportunidades da pátria brasileira.

No último dia do ano de 1920, Frederico Amosso estava na Itália com sua família há alguns meses, para rever a mãe, quando para desespero de todos foi surpreendido por um ataque cardíaco e, apesar do esforço de um dos melhores médicos de Turim, na época, Dr. Camilo Negri, sucumbiu à enfermidade, aos 52 anos.

Esta narrativa baseia-se no depoimento de sua filha Giullietina que deixou a história do pai num extrato muito bem escrito, em algumas páginas datilografadas às quais tivemos acesso.
E ela termina dizendo, num pós escrito que seu pai, apesar da posição social e da cultura, dizia ter mais afinidades e sentir mais aconchego entre os operários, “gente simples e humilde, que no sofrimento aprendia a amar e ajudar o próximo”.  


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UMA NONA ESPECIAL




Esta é uma curiosa história, mais uma história da colônia italiana.
E como toda história que envolve italianos, esta tem passagens engraçadas, outras que emocionam; às vezes uma confusão, uma receita de prato delicioso e, como não poderia deixar de ser, uma nona. Não é assim que nos lembramos dos italianos? Pode também ser que não, para alguns, mas vamos a ela..
 

OS RABECHINI (OU REBECHINI?)

Não existe na Itália, hoje em dia, uma só pessoa com o sobrenome Rabechini. Difícil de acreditar, pois em São Roque, trata-se de uma conhecida família de origem italiana. 

Eles vieram da Itália em 1891. Pier Maria Rebechini e Catarina Bruni desembarcaram no Rio de Janeiro, com destino certo à cidade de Itu, estado de São Paulo, mas logo depois estabeleceram-se como comerciantes em São Roque. Marido e mulher, não se sabe ao certo se eram de fato, pois não há uma certidão de casamento. E ela não levava o sobrenome do marido cuja grafia, note-se acima, era REBECHINI com E, e não Rabechini, com A, como a família que se estabeleceu em São Roque.

Um provável erro ou, quem sabe, mudança proposital, transformou Pier Maria Rebechini em Pedro Rabechini. Esse mistério, os bisnetos do casal tentam resolver hoje. Não se sabe o nome da cidade de origem na Itália. Talvez Pier tenha vindo de Milão, como comentavam seus filhos, mas não há nada que comprove. E se, no Brasil, o nome dessa família é pouco comum, curioso é descobrir que, na Itália, o sobrenome Rebechini está presente em apenas 27 cidades.

OS BANFI

Três anos após a chegada dos Rebechini no Brasil, partia da Calábria, no navio da empresa  La Veloce, com embarque no Porto de Gênova, o casal Paschoal Banfi e Nicoleta Basile Banfi. Ela saíra do internato no colégio de freiras, anos antes, para se casar. O destino era o Brasil e traziam consigo a filha Joanna Banfi, de apenas 3 anos. O segundo bebê do casal nasceu e morreu no navio, durante a viagem. Mais tarde, teriam outros três filhos, entre eles, Maria, a protagonista da nossa história que não nasceu na Itália, mas, no dizer de seu neto, que nos fez esta narrativa, foi uma autêntica nona italiana. Nascera no Brasil, mais precisamente em São Roque, mas fora educada sob a cultura italiana.    

La Veloce, empresa italiana de navegação, século 19

Com apenas quinze anos, ela se casou, em 25 de janeiro de 1919, mas teve de mentir a idade, e se fez passar por uma jovem de 18 anos. O noivo? Ah, sim... Chamava-se Egydio. De que? Rabechini... Ecco, daquela família. Filho de Pier Rebechini e Catarina Bruni, e também nasceu no Brasil.

A NONA

E nossa história, que pula uns pedaços, norteada pelas memórias do neto, vai encontrar o casal Maria e Egydio Rabechini anos depois, quando já eram avós. E Maria não é mais Maria, mas a nona Marieta. Eles tiveram cinco filhos, Alice, Francisco, Roque, Libélia e Paschoal – e doze netos.

Como Egydio conservasse forte influência de seus pais italianos, queria a família sempre unida. Assim, construiu uma casa para cada filho, uma ao lado da outra e todas perto da sua, na rua João XXIII.

A MAGIA DO NATAL

O casal se completava, segundo o neto que nos relembra passagens da vida da nona

Em seu olhar, Egydio era a figura hierárquica, o respeito, a consideração, a veneração.

-"Sim, nono, pois, não, nono! O senhor manda, nono; a sua ordem não se discute, eu faço." A nona era a figura anárquica. Havia pelo nono, o respeito, e muito grande: o nono falou, tá falado, o nono mandou, já tá mandado. Ele era um homem alto, magro, tinha uns olhos muito azuis  Eram lindos os olhos dele. Agora, ele vivia na loja.
 
Sim, o avô vivia na loja; em casa, onde reinava a nona, ele parecia pedir licença para circular. E a loja do nono era a Casa Reinaldo, na Praça da Matriz, que vendia de tudo, de móveis a tecidos. E brinquedos... no Natal era uma verdadeira casa de Papai Noel. E havia um Papai Noel de verdade (Iracy Silveira), que encantava o neto, na verdade, um empregado da loja, muito magro, mas que se transformava no velho gorducho, às custas de almofadas e travesseiros e saía pela cidade distribuindo às crianças os presentes que os pais compravam na loja.

O neto mergulhava nesse mundo mágico e tudo era idéia do nono. Quieto, sério, educado, mas proporcionava às crianças a magia do Natal.

CANÇÕES ENTOADAS, HISTÓRIAS CONTADAS

A nona Marieta era a figura baixa, gordinha, briguenta, que falava alto, xingava os vizinhos, mas depois corria levar docinhos. Os netos chegavam e encontravam a casa aberta, esse era o costume, mas a maneira de receber era ríspida. 

- É só sentir cheiro de doce, vem comer na casa...parece que a mãe não faz...você quer mais um pouquinho?  Pega mais um pouquinho, aqui...a nona dá. E manda os filho prá cá, parece que não faz doce...Olha a colher, vai pegando aquela colher que aquela colher é melhor.  Era uma rispidez carregada de carinho pelos netos.

Sentada na porta da cozinha, ela descascava dentinhos de alho caipira, as réstias penduradas à espera da sua vez. E os netos pediam, queriam as histórias, que ela ia contando, descascando... e contando... Contando e às vezes também cantando. La Campagnola Bella e Vivere eram as canções preferidas. Os  - Viiiiivereeeee!!! às vezes espantavam os vizinhos.

Sobre as histórias, mais tarde o neto descobriu que eram parecidas com enredos de óperas italianas. Como ela as conhecia, ninguém explica, mal aprendera a ler e escrever. 

Ela adocicou um pouco essas histórias, por exemplo, ela contava da moça que o pai obrigou o filho a não se casar com ela porque era doente... Depois eu descobri que era a Traviata. Ou do soldado que preferia a escrava à princesa. Ele queria casar com a escrava, mas a princesa gostava dele... Mais tarde, percebi que era Aída, conta o neto.

NA COZINHA, A MÃO É SANTA

Quituteira, como toda italiana, que ela não era, mas parecia ser, nona Marieta, não dispensava o fogão à lenha, sobre o qual sempre havia um bule de café quentinho. Os molhos e temperos para as massas, sua especialidade, eram feitos ali. Sobre o fogão a gás, limpo e arrumadinho, havia sempre uma toalhinha de crochê e um vasinho de begônia. 

Mas o fogão à lenha reinava na cozinha, embora ficasse fora, era onde assava suas massas.
O neto se lembra do pão, delícia simples que levava poucos ingredientes.
Ela dizia que pão se faz com farinha, fermento, água, sal e paciência. Pois tinha de amassar, depois deixar a massa descansar, depois amassar e novamente, descansar, para crescer...
E amassar com as mãos, que na cozinha a mão é santa, profetizava nona Marieta, inventando e misturando ervas, lingüiça, ou presunto à massa do pão, que enrolava e depois assava.

Mas quem amassava o nhoc era o nono, que a nona não tinha força. E nhoc de batata; na massa ia manteiga, que margarina dá ranço, explicava a nona.

AROMAS LEMBRANÇAS

Entre as lembranças do neto, que emocionam, está aquela que os sentidos retiveram com a mesma intensidade de anos atrás: a dos aromas.

Eu lembro do quarto dela que tinha cheiro de lavanda, eu não sabia o que era, eu não sabia dar nome. Hoje sei que era lavanda. O banheiro tinha cheiro de sabonete, era um sabonete vermelho chamado Lifeboy, acho que não existe mais. A sala tinha cheiro de óleo de peroba... Mas, o gostoso era a cozinha, que tinha aquele cheiro de refogadinho de azeite, não de óleo, era azeite, alho e cebola, então aquele perfume...e manjericão, que ela usava muito o manjericão. 

E as recordações levam o neto às lágrimas quando conta que há pouco tempo viu uma plantinha na feira, reconheceu o formato da folha e descobriu que era malva, com o mesmo aroma marcante que a avó colocava entre os lençóis.

O NETO

Quem nos contou suas recordações sobre nona Marieta, foi seu neto José Roberto Miller, professor de História e assistente técnico pedagógico. A paixão pelas coisas da História e pela avó, com quem foi criado desde menino, quando perdeu o pai, leva-o a afirmar que essa convivência com a nona, descendente direta de italianos, lhe dá raiz.

Enquanto eu vejo que muita gente não entende o termo raiz, eu cresci já com esse conceito de raiz pronto e formado. Eu acho muito importante porque esse sentimento de raiz te finca no chão e te dá um solo, e te dá um alicerce muito forte, dá segurança. A segurança que você tem e que você leva para o resto da vida é imensa, afirma ele, que ainda guarda alguns objetos que pertenceram à avó e carregam um profundo valor afetivo.

Eles são um vaso, tipo solitário, de cristal, que nada mais é do que uma flor entrelaçada por uma cobra; um cisne de cerâmica, já quebrado e colado várias vezes e um menininho de gesso, com aspecto dos bonecos do início do século passado, de bundinha de fora, e nela uma aranha grudada, ambos ganhos em jogos nas barracas da Festa de Agosto de algum ano remoto.

Mas o mais importante é o Santo Antônio que veio da Itália, pertenceu à nona da nona, é de barro, estava todo coberto de fuligem, preto mesmo, mas, depois de restaurado, reapareceu com o menino Jesus em seu colo. Coisas do coração...



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