Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sobre contar e ouvir histórias


Quando pequena, ouvia histórias de família, contadas por meus pais ou avós. Era a história da minha bisavó de descendência portuguesa, chamada de Sinhazinha, que cresceu na casa de seu tio, o barão Homem de Mello, pois seus pais morreram num trágico acidente quando a carruagem em que viajavam foi pega por um trem. 

Ou era a história de meu bisavô espanhol, que veio para São Roque, adquiriu terras e depois de trabalhar de sol a sol, tornou-se um dos maiores agricultores da região. Eram histórias verdadeiras, contadas por seus descendentes, mas que guardavam uma aura de aventura, onde a tragédia era mais trágica e onde a vitória tinha mais brilho. Assim me parecia quando criança...

Mas, uma história que me impressionava muito era a da viagem de minha bisavó italiana para o Brasil, num navio, ao final do século 19. Era uma família numerosa; ela tinha apenas cinco anos quando desembarcaram no Porto de Santos e nenhum deles jamais havia se deparado com uma pessoa negra.
Porém, o que mais me tocava nessa história, era a morte de sua irmã, em plena travessia do Atlântico, vitimada pela escarlatina, uma doença infecciosa, praticamente incurável naquela época.

Isso me deixava perplexa. Era só uma mocinha, menina italiana de quinze anos que devIa sonhar, cantar e correr pelo navio, pois sabe-se que durante as viagens dos imigrantes italianos, as condições eram difíceis, mas as crianças sempre se divertiam. E seu corpo foi simplesmente lançado ao mar...

Música na vida dos italianos da família Salvestrim

Hoje, esse fato me leva a refletir sobre os sentimentos dos imigrantes italianos. A saudade – palavra brasileira – das pessoas deixadas, das casas abandonadas, das vilas jamais avistadas novamente, da vida que ficou para trás.

Sobre esses sentimentos não aprendemos na escola, nas aulas de História, onde somente datas, documentos escritos, fatos e pessoas de destaque tinham importância. E onde os relatos, a história contada por pessoas comuns, nunca foi considerada.

Para o filósofo Walter Benjamim, qualquer um de nós é uma personagem histórica.

Esse é nosso objetivo com o projeto Memória da Imigração Italiana em São Roque, que resultará na publicação do livro Andiamo... Ele se baseia na História Oral, ou seja, nas narrativas das pessoas que vivenciaram os fatos, suas lembranças, suas impressões, seus sentimentos. São esses relatos que legitimam a pesquisa que buscamos nas fontes escritas e nos documentos.

Para o historiador francês Pierre Nora, memória é o vivido e história é o elaborado. Dessa forma, as histórias do passado podem ser reconstruídas através do resgate da memória.

Assim, fizemos o convite à toda a colônia italiana de São Roque para participar desse projeto, contando suas histórias, revelando suas memórias.

E termino fazendo um pouco meu, o pensamento de Boris Pasternak:
“O que é escrito, ordenado, factual nunca é suficiente para abarcar toda a verdade: a vida sempre transborda de qualquer cálice.”



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