Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Os Italianos e as Festas de Agosto

Festas de Agosto 1957,  procissão do Padroeiro na Praça da Matriz*


A origem das Festas de Agosto, em homenagem ao padroeiro da cidade, remonta a meados do século 17, aos primórdios da fazenda que daria origem ao município de São Roque, cujo nome se deve à devoção do fundador – o bandeirante Pedro Vaz de Barros, português de nascimento – ao santo francês que é hoje aquele de maior devoção na comunidade católica da cidade. 

Esses festejos nasceram das comemorações realizadas na fazenda do fundador, que construiu sua casa e uma capela em devoção a São Roque. Porém, os registros sobre essas antigas festas coloniais em homenagem ao padroeiro são muito escassos.
Lançando um olhar para a evolução das Festas de Agosto no século 20, podemos constatar, no entanto, que esses festejos profano-religiosos de 16 de agosto tiveram grande participação da comunidade italiana, cuja religião de origem era a católica.

VIGÁRIOS

Em 1904, o vigário da cidade, Paulo Palermo, era italiano. Entre os vigários ou párocos de origem italiana, podemos citar vários que, nos anos seguintes, estiveram à frente da igreja católica em São Roque e nas Festas de Agosto: padres Luiz Rizzo, Antônio Pepe, Afonso Pozzi, Cícero Revoredo, Silvestri Murari, cônego Venerando Nalini, Luciano Túlio Grilli, Wilson A. Bertoletti, Ângelo Sgueglia, este vigário cooperador.

FESTEIROS

Entre 1904 e 1999, foram festeiros das Festas de Agosto – de São Roque e do Divino Espírito Santo – quando realizadas simultaneamente, diversos membros da colônia italiana: no início do século, os italianos de origem e depois, seus descendentes.
Estiveram à frente desses festejos em homenagem ao padroeiro, em ordem cronológica de participação, membros das famílias Vistarini, Mariano, Júdica, Casali, Pepe, Tagliassachi, Boccato, Guaragna, Lucca, Vianna, Alé, Zecchi, Leuzzi, Pesci, Conti, Bellini, Geribello, Cosentino, Brochini, Bonini, Guazzelli, Salvetti, Peroni, Verani, Cereda, Giusti, Capuzzo, Campi, Francheschi, Carlassara, Grillo, Cerioni, Tozzi, Laurenciano, Barioni, Boschini, Maraccini, Santucci, Pari, Scuoteguazza, Biazzi, Zandoná, Belmonte, Pocciotti, Murari, Foroni, Nastri, Rolim, Mariucci, Cherubini, Alegretti, Panzarini, Sabattini, Dadalti, Chiarato, Castelli, Bussolini, Mastrogiuseppe, Masetto, Marchi, Panzarini, Franchin, Caparelli. Aqui citados apenas uma vez os sobrenomes, embora em diversos anos, outros membros das mesmas famílias tenham se revezado na condição de festeiros.

Essa presença intensa da colônia italiana nos festejos do padroeiro, principalmente no início do século 20, quando os participantes eram os próprios imigrantes, mostra que esses italianos encontraram em São Roque um ambiente religioso parecido com aquele da Itália, com a onipresença de seus santos de devoção e as festas em homenagem a eles.

PROGRAMAÇÃO CULTURAL

Em 1904, a corporação musical Conte di Torino, depois batizada como banda Carlos Gomes, fundada por italianos, realizava um concerto na Praça da Matriz, no dia 16 de agosto, como faria por todo o século, nas festas que se seguiriam. Em 1909, constava da programação dos festejos profanos a apresentação de trechos de óperas italianas executados pela Conte di Torino.

Também nesse ano, durante os festejos, a companhia de Circo Temperani, de propriedade de italianos, fazia suas apresentações na cidade. Outras companhias circenses, também de origem italiana, como a Martinelli, apresentaram-se nos anos seguintes.

Sessões de cinema ao ar livre constavam das programações das festas, no início do século 20, realizadas pela firma de italianos Amosso & Bonini.
Em 1909, o festeiro Octavio Vistarini, inclui no programa as Cavalhadas, uma representação teatral da luta entre cristãos e maometanos. Ainda nos festejos profanos de agosto desse ano, houve a Grande Tômbola, jogo de origem italiana.

FOGOS DE ARTIFÍCIO

Os espetáculos de pirotecnia, precursores dos nossos fogos de artifício, faziam parte dos festejos em homenagem ao padroeiro desde o início do século 20. Na década de 1920 quando as procissões do padroeiro eram acompanhadas por cerca de 400 pessoas, número grande para a população local, o pirotécnico era também um membro da colônia italiana: Domingos Vernaglia.

Nessa época, o almoço para os participantes da Entrada dos Carros de Lenha – desfile tradicional de abertura das festas do padroeiro – era servido no Grande Hotel Bonini, de propriedade de italianos e as principais ruas da cidade, onde ocorriam os festejos, eram iluminadas a giorno, como afirmava matéria do semanário local, o Democrata, cujo articulista, literariamente, usou esse termo italiano que significa dia, para se referir a uma intensa iluminação.

Esses fatos mostram-nos pelo menos duas evidências: que, no início do século 20, num momento histórico bem próximo ao do início da imigração italiana em São Roque, as atividades profanas das Festas de Agosto tinham caráter cultural, incluindo até ópera. E que, tanto nesse aspecto quanto no da inclusão de novos costumes aos já existentes na programação das festas do padroeiro, está explícita a marcante influência da comunidade italiana.


Festejos de Agosto com quermesse em frente à igreja Matriz, década de 1920

* Fonte da imagem: III Centenário da Cidade de São Roque, 1957.


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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

MANGIARE, MANGIARE

Le Olive Ripiene (azeitonas recheadas), imagem em Cozinha&Coisinhas

A comida para os italianos é um dos grandes prazeres da vida. Juntamente com a língua cantada e a música típica, os pratos da cozinha italiana influenciaram fortemente a nossa cultura. Nossos costumes, por sua vez, modificaram as influências recebidas e daí, surgiram pratos especialmente deliciosos. A cozinha italiana com um toque brasileiro, como a pizza, que é de origem grega, mas foi introduzida no Brasil por italianos e, originalmente, era preparada de forma diversa da que conhecemos.

LA PASTA

Bice Sciamanna, que chegou ao Brasil com treze anos, em 1952, e há mais de quarenta vive em São Roque, relembra os costumes da culinária italiana de sua infância. Na Itália, a primeira fornada, quando se fazia o pão, era na verdade, a pizza, uma massa de pão redonda, fina no meio, e grossa nas bordas, coberta de rodelas de tomate temperado. Bem diferente do que saboreamos hoje nas pizzarias brasileiras.
Ela nasceu em Ascoli Piceno, uma cidade da região de Marche, no centro do país, onde o costume, como em toda a Itália, ainda hoje, é comer massa, la pasta, todos os dias. Na casa de sua família, no almoço, jamais faltou o spaghetti e o que varia são os molhos e o tempero. Só depois, vem a carne ou peixe. E à noite, pratos à base de legumes e verduras.

O PRAZER DE COMER

Curiosamente, as estatísticas mostram que, desde o final do século 20, são os italianos, em toda a Europa Ocidental, os que mais gastam de seu orçamento com a comida. Embora a massa, base de sua alimentação, não seja uma refeição cara, eles consomem mais verduras que qualquer povo europeu, além de frutas. As quitandas ainda não perderam para o supermercado, por isso, o número de lojas de comida da Itália é quatro vezes maior do que o da Alemanha Ocidental.
Os mercados oferecem em profusão presunto, salame, queijos e alimentos duráveis que, há algumas décadas eram preparados com métodos lentos, durante o verão, para que os italianos pudessem enfrentar a escassez do inverno. Algo pouco compreensível para os brasileiros que vivemos num país tropical, onde sempre é tempo de frutas, verduras e legumes.

TRADIÇÃO NO PREPARO

Na Itália, por exemplo, o queijo parmesão tradicional é envelhecido de dois a quatro anos e quanto mais maduro melhor. E os italianos que respeitam a tradição, jamais ousariam usar substitutos mais baratos.
Bice lembra-se de como se fazia presunto cru – prosciutto crudo – em Marche, na sua infância. Matava-se o porco e as quatro coxas eram cobertas por espessa camada de sal grosso, ficando por um mês sobre uma tábua inclinada. O resultado era um presunto saboroso que poderia durar até um ano.

UMA RECEITA SABOROSA

E como falar em comida italiana vai dando água na boca, fica aqui uma receita sugerida pela Bice, que é muito usada por sua família: azeitonas recheadas – le olive ripiene.
As eleitas são as azeitonas verdes grandes e carnudas que são descaroçadas, porém da forma que se descasca uma laranja. Reservam-se as tiras enroladas e prepara-se o recheio de carne, onde se misturam, em partes iguais, peito de frango, carne de vaca e carne de porco. Após cozimento em pouca água, as carnes são moídas e temperadas com salsinha, cebola, alho e sal a gosto. Fazem-se pequenas bolinhas com a carne e ao redor delas enrola-se a tira de azeitona. Para manter a azeitona fechada, uma leve pressão com a mão ao redor dela. Em seguida, passam-se as azeitonas, já recheadas, na farinha de rosca, no ovo e novamente, na farinha. Depois, é só fritar e... mangiare. Buon apetito!

LE OLIVE RIPIENE (all'Ascolana)*

Ingredientes
  • 60 azeitonas verdes sem caroço
  • 150grs de carne
  • 150grs de lombo de porco
  • 100grs de bacon
  • 50grs de parmesao ralado
  • 3 ovos
  • 1 colher das de sopa de noz moscada
  • 1 fatia de pao italiano amolecido no leite e triturado
  • farinha de trigo
  • farinha de rosca
  • oleo para fritar
  • azeite para fritar as carnes
  • sal a gosto
  • pimenta a gosto
Modo de Preparo
 
Fritar bem as carnes com um pouco de azeite,depois de frias passar no liquidificador ou processador. Acrescentar os ovos, o queijo, o pao, sal e pimenta., fazer uma massa homogenea. Preencher as azeitonas com essa massa, passar na farinha de trigo, ovo e farinha de rosca. deixar na geladeira por 2 horas para ficar consistente Fritar com o oleo bem quente.

 *de Cozinha & Coisinhas
 
 
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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

AS RAÍZES ROMANAS DO CARNAVAL

Família Bonini no Corso, Carnaval de São Roque, 1935, em frente ao hotel da família *.


Nas décadas de 1930 e 1940, o costume em São Roque, durante os dias de Carnaval, eram os bailes da Literária e do São Paulo Club, cuja rivalidade levava a brigas nas disputas dos concursos de melhor fantasia e melhor desfile de rua, dos chamados cordões. Mas, principalmente nos anos 1930, o que animava o Carnaval nas ruas da cidade era o desfile conhecido como Corso em que as famílias fantasiadas apareciam em carros alegóricos pelas ruas da cidade, cada uma se esmerando para vestir as mais belas fantasias. E as famílias de origem italiana integravam-se aos festejos tradicionais.

VIA DEL CORSO

O nome Corso com o qual foi batizado esse tipo de desfile carnavalesco, com carros alegóricos que, ao longo do tempo, passou a ser costume em várias localidades do mundo, assim como o Carnaval, teve suas origens na Roma antiga.
A primeira notícia sobre o carnaval romano data dos anos 1141 d.C. a 1143. Segundo a pesquisadora Maria Nazareth Ferreira, a festa carnavalesca dessa época, era realizada do Testaccio ao Monte dei Cocci, em Roma, onde aconteciam corridas, lutas com animais, jogos militares e muita violência. O carnaval era organizado a partir da atual Via del Corso, onde desfilavam suntuosos carros alegóricos. Daí o nome Corso.

SATURNALIA

Mas as raízes do Carnaval – depois exportado para o mundo todo – são mais remotas e remetem-se aos antigos rituais romanos. Têm suas origens nas Saturnalia, celebrações em homenagem a Saturno que aconteciam desde o século V a.C., já que o Templo de Saturno, era celebrado em Roma desde 497 A.C.
Um dos principais deuses venerados pelos romanos dessa época e divindade mais antiga da península, Saturno era tido como aquele que deu origem ao mundo, semelhante a Zeus na mitologia grega. Segundo a mitologia romana criada pelas fontes históricas, a região atualmente conhecida como Lazio, na Itália, onde mais tarde seria fundada Roma, era governada por Giano, divindade que acolheu Saturno, o qual chegara por mar, e difundiria as artes, a agricultura e o uso da moeda, indispensáveis para a civilização dos homens da antiguidade.
Ainda segundo a mitologia latina, foi com a chegada de Saturno, o deus maior, que os homens conquistaram a Idade do Ouro, vivendo em paz, tranqüilidade, sem guerras ou conflitos, pois não havia classes sociais.
Mas, como na mitologia os deuses desaparecem sem explicações, Saturno ocultou-se e, assim, os romanos passaram a celebrar as Saturnalia, nos templos romanos, como cerimônias sagradas para que esse deus retornasse e, com ele, a Idade do Ouro.

Relações Sociais e a Subversão

As Saturnalia eram festas que aconteciam, normalmente de 17 a 23 de dezembro, quando nem mesmo os órgãos ligados à justiça funcionavam. Os rituais dessas festas eram impregnados da experiência cotidiana dos antigos romanos e após a cerimônia sagrada, havia divertimentos, como danças, jogos de azar e tudo o que era rigorosamente proibido durante o restante do ano.
A subversão da ordem estabelecida e das relações sociais era uma das principais características dessas festividades: os senhores serviam os escravos que deles zombavam, homens livres tornavam-se aristocratas, relembrando os tempos da origem, quando não havia discriminação social.
Esse carnaval pré-cristão, na verdade, acompanhava com seus rituais a passagem do Ano Velho para o Ano Novo, era uma festa de confraternização.

CARNAVAL MODERNO

Mais tarde, quando se formou a fé cristã, como essas festividades estavam grandemente sedimentadas no cotidiano do povo, a Igreja acabou por assumi-las e incluí-las no calendário litúrgico, antecedendo a Quaresma, que passou a funcionar como tempo de penitência. A princípio, elas aconteciam a partir de 26 de dezembro e depois passaram a ocorrer de 6 a 17 de janeiro. Posteriormente, a Igreja mudou o Carnaval e a Quaresma para fevereiro para reforçar a idéia de purificação já presente na população romana desde tempos imemoriais. Fevereiro (februari) significa ação de purificar.
Os papas passaram as ser os organizadores oficiais do Carnaval e pode-se afirmar que, no século XIII, o Papa Paolo II, grande reformador dessas festividades, foi o fundador do Carnaval moderno, transformando-o num ato político. Já o Papa Inocêncio VII deu impulso aos jogos carnavalescos, Alessandro VI autorizou o uso de máscaras nas igrejas. Mas foi com Giulio II, já no século XIV, que o Carnaval assumiu condição artística: os carros alegóricos tinham seu design assinado por autores como Bramante, Michelangelo, Rafaello e Sangallo.
Eram festas com grande esplendor e a forte presença da aristocracia, autoridades civis, príncipes e rainhas, nas quais se cometiam muitos excessos em nome de se gozar das delícias das modernas Saturnalia. A partir dos séculos XVI e XVII, o Carnaval expande-se e ultrapassa os limites da península.

LIBERAR TENSÕES

Apesar de ter seu sentido diverso das antigas Saturnalia romanas, o Carnaval da atualidade, afastado de seu sentido religioso, mantém o mesmo mecanismo de inversão de algumas situações nesses quatro dias: os poderosos são postos na berlinda, através da sátira, e a festa funciona também como válvula de escape das tribulações do dia-a-dia e de todos os problemas acumulados durante o ano.

Assim, o Carnaval passa a ter a função de equilibrar as tensões sociais, por meio de momentos de grande liberação.

Fonte: FERREIRA, Maria Nazareth. As Festas Populares na Expansão do Turismo – a Experiência Italiana. São Paulo:Arte e Ciência Editora - ECA-USP, 2005.

*Foto fornecida pela família Bonini.


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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

UM IDIOMA QUE VEIO DA TOSCANA




A palavra bianco – “branco”, no italiano oficial – transforma-se em biank em alguns locais da região do Piemonte, giancu, na Ligúria, iango na Campânia, aspro no sul da Calábria e iancu na Sicília.

Na Itália, as diferenças entre os diversos dialetos já constituíram impressionante barreira para a comunicação que, em parte, ainda hoje permanecem. Houve tempo em que os que falavam dialetos diferentes, povos divididos por acidentes geográficos espalhados pelo território italiano, mal se compreendiam.

Essa língua que se conhece atualmente como Italiano é, em essência, o dialeto de uma região central do país chamada Toscana (embora a pronúncia do italiano padrão não seja exatamente idêntica à toscana).

O toscano é somente um dentre os vários dialetos que descenderam da antiga língua latina. Mas foi utilizado pelo poeta Dante para escrever sua obra-prima, A Divina Comédia, no século XIV. O toscano era, por assim dizer, a língua da intelectualidade, usada também por Boccaccio e Petrarca, mas jamais se tornou uma língua popular.

Quando houve a unificação política da Itália, em 1861, menos de 3% da população da península falava o toscano. Até 1982, apenas 29% da população falava o italiano oficial em casa.

E isso se confirma com o depoimento de Bice, professora de italiano da Associação Ítalo-Brasileira de São Roque. Quando chegou da Itália, em 1952, aos 13 anos, ainda cursava a 7ª.série, e afirma que o toscano era a língua falada na escola e em ambientes públicos. Mas, em casa, falava-se o dialeto de sua região, o Marche.

O Italiano proveniente da Toscana, considerado a língua oficial do novo Estado unificado, tornou-se, também, o idioma da educação formal. E os dialetos passaram a ser desestimulados. Não sem ressentimentos por parte da população que, afinal, acabou por aprendê-la e usá-la.
Ignázio Silone, grande romancista da região de Abruzzo, resumiu as dificuldades de muitos com a língua de seu país, ao escrever, em 1930:

A língua italiana é para nós uma língua estrangeira, uma língua morta, uma língua cujos vocábulos e gramática não têm relação alguma com nosso modo de agir, de pensar e de nos expressar. Falamos o italiano da mesma forma que calçamos sapatos e botamos colarinho e gravata para um passeio à cidade. Qualquer pessoa pode perceber nosso desalinho.




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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Nem muito triste, nem muito alegre


Chiesa Vecchia, em Petacciato, comuna onde nasceu Maria Lorito. Foto Antonio Greco

A História é pontuada por figuras às vezes míticas a quem são atribuídos grandes feitos. Quase sempre são heróis a quem o cinema consagra, séculos depois, com superproduções. As figuras femininas, historicamente, são as menos exaltadas. Tratando-se de tempos remotos, raramente vemos uma heroína. Elas podem ser contadas nos dedos e quase sempre estão ligadas a um herói. 

Não acontece diferente nas narrativas sobre a imigração italiana. As mulheres sempre são as “mamas”, macarroneiras, bonachonas e risonhas ou choronas. Ninguém se pergunta sobre como é deixar a família e nunca mais ver seus entes queridos, para mulheres que vinham de uma cultura onde o matriarcado e a união em torno dele eram supervalorizados; quase nunca se comenta sobre o sentimento de quem embarcava na Itália com onze filhos e chegava a algum porto do Brasil com apenas seis deles; e poderíamos discorrer sobre isso por páginas a fio, nos detendo em fatos pouco observados, onde a figura da mulher é sempre esquecida em favor da luta do homem para Fazer a América.

Mas, como diz o ditado, “por trás de um grande homem, há sempre uma mulher”. Assim, falando de imigrantes italianos, vamos mostrar um pouco das heroínas do cotidiano, na figura de uma delas.

FAZENDO A DIFERENÇA

Em páginas anteriores, abordamos a trajetória da família Tagliassachi e, ao buscar uma foto para ilustrá-la, com o senhor Vasco Barioni, um comentário seu nos chamou a atenção para as figuras femininas pouco destacadas. Ao se referir ao verdadeiro “império empresarial” construído em São Roque por Francisco Tagliassachi, no início do século passado, seu comentário fez a diferença: era Amélia Tagliassachi quem realizava a escrita dos negócios do marido que, segundo nosso informante, pouco sabia da língua portuguesa.

Como ela, a protagonista desta nossa história, fez a diferença na trajetória de outra família de imigrantes.
E é ela mesma quem começa esta narrativa:

= Vou contar a minha história. Não é muito triste nem muito alegre.

Essa abertura caracteriza o início das lembranças de Maria Lorito, nascida em 1935, na pequena cidade italiana de Petacciato, província de Campobasso, na região de Molise. Quem a vê, hoje, ao lado do marido, à frente da administração do Magazine Itália, não imagina sua habilidade em elaborar a alternância dos bons e maus momentos da vida que, segundo especialistas, é onde reside a sabedoria do viver. Isso não a impediu, no entanto, de rir e chorar, ao invocar suas lembranças.

Panorama de Petacciato, a cidade natal de Maria Lorito. Viewphotos.org

A MÃE

Dissemos da força do matriarcado nos costumes da família italiana. Se isso é verdade, é verdade também que na vida da pequena Maria Lorito, de quatro anos, a figura materna, a mãe Giulia di Lena, teve importância central tanto no senso de valorização da família como em sua estruturação emocional.

A minha mãe, quando eu nasci, tinha 38 anos. E quando eu tinha quatro anos, ela  teve infarto. Daí eu lembro até hoje o que aconteceu, que nos estávamos brincando, eu  com mais dois irmãos, chegou o terceiro e falou pro meu irmão, quietinho, assim, o que  tinha acontecido com minha mãe, que era grave mesmo, e daí falei:

- Eu escutei o que vocês falaram... - Corri e quando estava chegando em casa, vi que levantavam minha mãe na cama porque naquele tempo não era que nem hoje que tem hospital e tudo. Vinha o médico a cavalo da cidade, que a gente morava no nosso sítio, e... às vezes, eles ligavam uma corrente prá dar choque elétrico, para ela voltar. Foi indo, ela melhorou e eu tinha oito anos quando ela veio a falecer.

NOITES DE DANÇA

A vida de órfã, filha caçula, ao lado do pai, Nicola, e dos irmãos Michele, Carmela, Pepino, Romeu e Umberto, foi das mais felizes, apesar das circunstâncias por vezes adversas. Ela cresceu cercada também de outros familiares.

Na pequena Petacciato que nos dias de hoje tem pouco mais de 3300 habitantes e cujo padroeiro, coincidentemente, é São Roque, o cotidiano da família de agricultores que, durante o dia, lavrava a terra, plantava e colhia trigo e milho, além das azeitonas, era alegre e permeado pela música, tirada do acordeom por primos ou irmãos. É assim que ela recorda esses momentos:

E a gente ia na missa aos domingos e depois que saía da missa se ajuntava na casa d’alguma prima ou na minha ou de outro primo e daí se dançava a tarde toda, era muito divertido, até hoje a família é muito unida. Eu lembro de várias noites em que se dançava até 8 horas da manhã. Era uma festa mesmo.

O CASAMENTO

Em 1955, Maria era uma moça de 20 anos que jamais pensara em se casar:  

Eu fui assim, uma moça muito expansiva, alegre mas... na verdade, eu não queria me casar, eu tinha muito medo de casar e alguém xingar a minha família. Porque não tem gente que casa e fica se xingando? Na minha casa não existe isso. É eu e você e a família à parte. Mas eu tinha tanto medo que alguém xingasse a minha mãe..., conta ela.

Nessa época, a família Di Girolamo, que decidira vir para o Brasil tinha apenas uma filhinha de 7 anos e era preciso que um dos filhos se casasse para que a mãe pudesse ter outras companhias femininas ao partir da Itália. Assim, por indicação de um compadre, Cesare di Girolamo, acompanhado de seu pai Giuseppe, procurou a família Lorito, em busca de uma esposa.

Antigamente o casamento se fazia, não nascia que nem hoje, sozinho, era por intermédio dos outros que a pessoa se casava, justifica ela.

O pai de Maria pediu um prazo de quinze dias para a resposta. Estava propenso a dizer sim, pois se tratava de ir para a América, mas a filha não aceitou e ele, constrangido, teve de negar o pedido à família Di Girolamo. Uma semana depois, a futura sogra tentaria convencê-la, como conta Maria:

- Ah! Fala que sim, fala que sim! Ele é um bom filho. Fala que sim, nós vamos na América, você põe um chapéu... 

(risos) Só sei que ela ficou o dia inteiro comigo falando, atrás, até que eu falei: 

- Tá, bom, vai! - falei que sim. Só que depois que falei que sim, ‘ah, meu Deus, onde que eu tava com a cabeça?’ É, mas, tudo bem! Tem coisa que aconteceu meio chata! Mas, daí, tudo bem, depois me casei e são cinqüenta anos que nós estamos juntos, graças a Deus. 

Dona Maria não se arrepende:  

Por isso que me casei, o amor nasce, a convivência, tudo...

Bodas de Ouro

No dia 1º de outubro de 2005 Maria Lorito e Cesare di Girolamo fizeram Bodas de Ouro.
A chegada no Brasil, em 1955, o trabalho na lavoura em Pedrinhas, depois numa tecelagem em São Roque, o nascimento do primeiro filho em 1957, doente, o dinheiro que não dava, o casal vivendo num pequeno porão, o emprego do marido na CBA – Companhia Brasileira de Alumínio, sua decisão de trabalhar por conta própria, vender retalhos de casa em casa, o trabalho dela na tecelagem Brasital, a banca de roupas na feira, são fatos que já fazem da parte da história de mais uma família de imigrantes italianos que Fez a América.

Mas, certamente, o sucesso de Cesare di Girolamo, agraciado com o título de cidadão são-roquense, há alguns anos, teve o brilho da presença de sua mulher, Maria, em todos os momentos. 

E ela, com certeza é tão são-roquense como todos que nessa cidade nasceram. E sente-se como nós um deles:

Quando nós viemos prá São Roque, realmente prá nós ela se apresentou uma cidade italiana, mesmo, assim o estilo, tudo, parecida com a Itália. A gente ia à missa aos domingos, depois que saía, a praça era tudo rodinha de italiano, contando o que haviam feito durante a semana. São Roque prá mim é uma cidade maravilhosa.

Marina, em Petacciato, cidade natal de Maria Lorito. Viewhotos


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